segunda-feira, 2 de junho de 2014

A DESPEDIDA

Foto: Cairo Brunno (27/12/2012)
Quando dei por mim, eu estava às dez da noite de um domingo abraçado a você na calçada do meu prédio. Foi um contato que se prolongou por alguns segundos a mais que o habitual. Nossos braços eram quentes, ávidos por envolver aquele outro corpo que tínhamos à disposição como se ele fosse a salvação das nossas almas, a redenção de todos os nossos pecados e o remédio para todas as nossas feridas abertas por outros amores.
Na sexta-feira, dois dias antes, nós havíamos ensaiado um abraço como aquele depois de comermos uma pizza num restaurante próximo. A diferença é que naquele domingo tudo acabou – ou teria começado? – com um beijo... O percurso dos nossos lábios foi bem lento, nada ensaiado. Primeiro, tocamos o pescoço um do outro; em seguida, o rosto e... a boca! Eu fui ao céu com aquele beijo... Era tão perfeito! Era uma boca pequena, bem desenhada, tão boa de beijar que eu só queria ficar um pouco mais.
Você tinha uma voz tão perfeita e um cheiro tão humano que eu fiquei excitado. Logo eu, que ainda era completamente inocente, pronto a casar de branco. Nunca havia sequer mostrado meu sexo a outra pessoa e já estava entrando em ebulição com um simples abraço – aliás, eu sempre tinha aquele tipo de reação quando te abraçava, e se você lembrar com detalhes vai ver que eu sempre afastava meus quadris dos teus pra que o contato perigoso daquelas nossas regiões não ocasionasse uma explosão...
Te pedi pra entrar no prédio. Você aceitou. Namoramos, você no meu colo – Eu desejei tanto esse momento! Tanto! – e eu, tímido, olhando de relance pras janelas dos outros apartamentos com medo de sermos flagrados. Eu tinha você nos meus braços, sob meu domínio. Eu, que depois de tanto jogar contigo, com a tua paciência, de fingir que não queria, fazendo de tudo pra te dispensar e atrair numa só tacada, tinha você aos meus pés.
Naquele momento eu nunca quis ter outro alguém. O que eu mais queria era ter aquela tua blusa branca toda rota pra mim. Queria a blusa pra poder dormir abraçadinho a ela, como se fosse uma extensão da tua pele quente. Assim, e somente assim, eu achava que sentiria teu abraço quando não estivéssemos juntos...
No dia seguinte, você me levou pra conhecer um novo tempo na minha vida. Achei engraçado o nome do teu bairro... Quando você me falou dele eu achei tão sugestivo, porque eu agora estava indo para um novo instante da minha existência. Tudo que você perguntou no caminho, nós dois sobre a moto, foi “Você confia em mim?” Eu respondi que sim, e pensei comigo: acha que vai fazer o quê, me raptar?
Você apontou a tua casa. Disse que não havia tido tempo para limpá-la e que em função disso íamos ao fim da rua, para a casa de um amigo que estava viajando para Brasília. Vimos um filme. Comemos. Namoramos. Você pediu que eu tirasse minha camisa porque queria sentir minha pele. Fizemos isso três vezes naquela semana. Você me presenteou com uma gravata e pediu que eu usasse quando conseguisse um trabalho num escritório.
Mas, por algum motivo, comecei a me sentir inseguro. Talvez porque um dia você foi a um bar com seus amigos e me falou de um cara que usava Lacoste e te paquerava. Talvez por te ver olhar com desejo para outros homens por onde andávamos. Talvez por um dia você ter dito a um amigo teu que falava de um rapaz “Eu quero ele”. Talvez pelas fotos do teu passado com outro homem ainda nas tuas coisas...
Em casa, diziam que você queria aventura, que queria se aproveitar de mim e me descartar. Como dito por uma personagem no filme que assistimos no primeiro dia de namoro, eu era o “caso de verão”. Era? Era. Na minha cabeça era. Comecei a imaginar você beijando o rapaz que te rondava, sempre investigando o nível de seriedade do teu namoro comigo; ou quem sabe voltando pro cara que um dia te mandou embora e que depois reapareceu pedindo uma ajuda pra salvar a própria loja; ou mesmo sentindo novamente atração pelo cara que um dia beijou e que agora era um colega de trabalho.
Fiquei paranoico. Fiquei frágil. Pena você nunca ter entendido que eu sinto medo, ainda sinto um frio na barriga por conta de uma viagem tua a trabalho. Inseguro, te liguei agora há pouco pela sétima vez para ouvir tua voz. Você disse que eu precisava me tratar. Disse que nosso amor foi uma pena. Disse que queria a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta mordida... Antes, disse que encontraria alguém e que me diria, e que só depois de me comunicar beijaria – e eu completei mentalmente: abraçaria, faria café, postaria fotos, telefonaria, responderia nas redes sociais, tudo que não fez comigo... E eu, tão feliz por te ter, sem prever essa confusão toda, enviei por e-mail, no começo do dia, antes de ir correr no calçadão, uma lista de coisas que eu adoraria fazer contigo: tirar fotos, viajar pra Barcelona, andar de mãos dadas...
Esperei uma resposta e veio outra.
Eu não queria entregar os pontos, mas as tuas palavras foram tão sinceras que não me resta outra saída. Mas me responda, então: e a nossa viagem pra Europa, quando eu estivesse bem de vida? E o nosso apartamento? E a nossa viagem no universo do vestuário e da decoração infantis pro quarto do nosso filho? E o nosso filho? Eu não sei. Você vai viajar semana que vem e eu nem vou poder ligar. Me sobe uma angústia só de pensar que nunca mais vou te ver de perto, que um dia vai haver outro no teu coração e que você vai trocar meus retratos pelo de um outro alguém.
Um dia, enquanto assistíamos ao capítulo da novela das nove em que o casal principal rememorava suas melhores recordações, você disse que não levaria nenhuma boa lembrança da nossa relação. Mas foram minúcias tão doces! Como num filme, acumulam-se em camadas loucas nossas aventuras. Lembra quando você saiu do quarto para ir ao banheiro e eu coloquei almofadas sob o edredom para te pregar uma peça?
Lembra ainda da primeira vez que fomos à tua casa e depois, quando voltávamos, pegamos nossa primeira chuva juntos sobre a moto? Eu te abraçava bem apertado, com frio e completamente ensopado, mas feliz por estar com você... Lembra quando trocamos alianças quando estávamos no ônibus indo pra São Luís? E de quando eu entrei no mar pela primeira vez e você, mesmo com seus braços finos, me segurou no colo?
Realmente espero que você seja muito feliz. Quanto a mim, não me iludo mais achando que em dez anos um dia poderemos nos encontrar em alguma outra cidade e que depois saiamos para conversar e ao fim do dia tudo recomeçar. Hoje, só quero que você encontre a tua felicidade e esse amor tranquilo com sabor de fruta mordida.
Sobre mim, eu te amo muito. Ainda, meu número de telefone deixará de existir. Não quero ter a esperança de que algum dia você vai me mandar uma mensagem sabendo que não o fará. Vou sentir muita falta de te pentelhar. Vou sentir falta do teu macarrão com queijo e de beijar teu pescoço antes de você dormir ou depois que você acordar.
Pensando bem, um dia vamos nos reencontrar sim, seja numa loja, seja num shopping ou num aeroporto. Que possamos ser tão cordiais quanto você presumiu naquele dia, mas bem menos artificiais e irônicos.
Te amo pra sempre!

P.S.: enterra aquele apelido. Ele era só seu. Vou enterrá-lo também. Será melhor assim.

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