Foto: Cairo Brunno (27/12/2012) |
Quando dei por mim, eu estava às dez da noite de um
domingo abraçado a você na calçada do meu prédio. Foi um contato que se
prolongou por alguns segundos a mais que o habitual. Nossos braços eram
quentes, ávidos por envolver aquele outro corpo que tínhamos à disposição como se ele fosse a salvação
das nossas almas, a redenção de todos os nossos pecados e o remédio para todas
as nossas feridas abertas por outros amores.
Na sexta-feira, dois dias antes, nós havíamos ensaiado
um abraço como aquele depois de comermos uma pizza num restaurante próximo. A
diferença é que naquele domingo tudo acabou – ou teria começado? – com um beijo...
O percurso dos nossos lábios foi bem lento, nada ensaiado. Primeiro, tocamos o
pescoço um do outro; em seguida, o rosto e... a boca! Eu fui ao céu com aquele
beijo... Era tão perfeito! Era uma boca pequena, bem desenhada, tão boa de
beijar que eu só queria ficar um pouco mais.
Você tinha uma voz tão perfeita e um cheiro tão humano que
eu fiquei excitado. Logo eu, que ainda era completamente inocente, pronto a
casar de branco. Nunca havia sequer mostrado meu sexo a outra pessoa e já
estava entrando em ebulição com um simples abraço – aliás, eu sempre tinha
aquele tipo de reação quando te abraçava, e se você lembrar com detalhes vai
ver que eu sempre afastava meus quadris dos teus pra que o contato perigoso
daquelas nossas regiões não ocasionasse uma explosão...
Te pedi pra entrar no prédio. Você aceitou. Namoramos, você
no meu colo – Eu desejei tanto esse
momento! Tanto! – e eu, tímido, olhando de relance pras janelas dos outros
apartamentos com medo de sermos flagrados. Eu tinha você nos meus braços, sob
meu domínio. Eu, que depois de tanto jogar contigo, com a tua paciência, de
fingir que não queria, fazendo de tudo pra te dispensar e atrair numa só tacada,
tinha você aos meus pés.
Naquele momento eu nunca quis ter outro alguém. O que eu mais
queria era ter aquela tua blusa branca toda rota pra mim. Queria a blusa pra
poder dormir abraçadinho a ela, como se fosse uma extensão da tua pele quente.
Assim, e somente assim, eu achava que sentiria teu abraço quando não
estivéssemos juntos...
No dia seguinte, você me levou pra conhecer um novo tempo na
minha vida. Achei engraçado o nome do teu bairro... Quando você
me falou dele eu achei tão sugestivo, porque eu agora estava indo para um novo instante da minha
existência. Tudo que você perguntou no caminho, nós dois sobre a moto, foi
“Você confia em mim?” Eu respondi que sim, e pensei comigo: acha que vai fazer
o quê, me raptar?
Você apontou a tua casa. Disse que não havia tido tempo para
limpá-la e que em função disso íamos ao fim da rua, para a casa de um amigo que
estava viajando para Brasília. Vimos um filme. Comemos. Namoramos. Você pediu
que eu tirasse minha camisa porque queria sentir minha pele. Fizemos isso três
vezes naquela semana. Você me presenteou com uma gravata e pediu que eu usasse
quando conseguisse um trabalho num escritório.
Mas, por algum motivo, comecei a me sentir inseguro. Talvez
porque um dia você foi a um bar com seus amigos e me falou de um cara que usava
Lacoste e te paquerava. Talvez por te ver olhar com desejo para outros homens
por onde andávamos. Talvez por um dia você ter dito a um amigo teu que falava
de um rapaz “Eu quero ele”. Talvez pelas fotos do teu passado com outro homem
ainda nas tuas coisas...
Em casa, diziam que você queria aventura, que queria se
aproveitar de mim e me descartar. Como dito por uma personagem no filme que
assistimos no primeiro dia de namoro, eu era o “caso de verão”. Era? Era. Na
minha cabeça era. Comecei a imaginar você beijando o rapaz que te rondava, sempre investigando o nível de seriedade do teu namoro comigo; ou quem sabe voltando pro cara que
um dia te mandou embora e que depois reapareceu pedindo uma ajuda pra salvar a
própria loja; ou mesmo sentindo novamente atração pelo cara que um dia beijou e que
agora era um colega de trabalho.
Fiquei paranoico. Fiquei frágil. Pena você nunca ter
entendido que eu sinto medo, ainda sinto um frio na barriga por conta de uma
viagem tua a trabalho. Inseguro, te liguei agora há pouco pela sétima vez para
ouvir tua voz. Você disse que eu precisava me tratar. Disse que nosso amor foi
uma pena. Disse que queria a sorte de um amor tranquilo, com sabor de fruta
mordida... Antes, disse que encontraria alguém e que me diria, e que só depois
de me comunicar beijaria – e eu completei mentalmente: abraçaria,
faria café, postaria fotos, telefonaria, responderia nas redes sociais, tudo
que não fez comigo... E eu, tão feliz por te ter, sem prever essa confusão
toda, enviei por e-mail, no começo do
dia, antes de ir correr no calçadão, uma lista de coisas que eu adoraria fazer
contigo: tirar fotos, viajar pra Barcelona, andar de mãos dadas...
Esperei uma resposta e veio outra.
Eu não queria entregar os pontos, mas as tuas palavras foram
tão sinceras que não me resta outra saída. Mas me responda, então: e a nossa
viagem pra Europa, quando eu estivesse bem de vida? E o nosso apartamento? E a
nossa viagem no universo do vestuário e da decoração infantis pro quarto do nosso
filho? E o nosso filho? Eu não sei. Você vai viajar semana que vem e eu nem vou
poder ligar. Me sobe uma angústia só de pensar que nunca mais vou te ver de
perto, que um dia vai haver outro no teu coração e que você vai trocar meus
retratos pelo de um outro alguém.
Um dia, enquanto assistíamos ao capítulo da novela das nove
em que o casal principal rememorava suas melhores recordações, você disse que
não levaria nenhuma boa lembrança da nossa relação. Mas foram minúcias tão
doces! Como num filme, acumulam-se em camadas loucas nossas aventuras. Lembra quando
você saiu do quarto para ir ao banheiro e eu coloquei almofadas sob o edredom
para te pregar uma peça?
Lembra ainda da primeira vez que fomos à tua casa e depois,
quando voltávamos, pegamos nossa primeira chuva juntos sobre a moto? Eu te
abraçava bem apertado, com frio e completamente ensopado, mas feliz por estar
com você... Lembra quando trocamos alianças quando estávamos no ônibus indo pra
São Luís? E de quando eu entrei no mar pela primeira vez e você, mesmo com seus
braços finos, me segurou no colo?
Realmente espero que você seja muito feliz. Quanto a mim, não
me iludo mais achando que em dez anos um dia poderemos nos encontrar em alguma
outra cidade e que depois saiamos para conversar e ao fim do dia tudo
recomeçar. Hoje, só quero que você encontre a tua felicidade e esse amor
tranquilo com sabor de fruta mordida.
Sobre mim, eu te amo muito. Ainda, meu número de telefone deixará
de existir. Não quero ter a esperança de que algum dia você vai me mandar uma
mensagem sabendo que não o fará. Vou sentir muita falta de te pentelhar. Vou
sentir falta do teu macarrão com queijo e de beijar teu pescoço antes de você
dormir ou depois que você acordar.
Pensando bem, um dia vamos nos reencontrar sim, seja numa
loja, seja num shopping ou num aeroporto. Que possamos ser tão cordiais quanto
você presumiu naquele dia, mas bem menos artificiais e irônicos.
Te amo pra sempre!
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