segunda-feira, 26 de maio de 2014

CARTA

Foto: Cairo Brunno (17/12/2012)
               Querida amiga,

         Um oceano inteiro nos separa nesse momento. Você seguiu sua carreira. Agora é respeitada e admirada. Agora é exibida em canais de TV e seu rosto aparece em fotografias em páginas de jornal e colunas sociais. Sinto orgulho disso. Sinceramente, querida, sinto muito orgulho de ter sido mais um tijolinho para construir a escadaria que você teve de subir para chegar onde está. O problema é que toda essa euforia que trago no peito se confunde com uma saudade imensa, tudo isso se transformando num elemento louco e irreconhecível que me cega e me deixa como louco à espreita, esperando o menor sinal do nosso reencontro.
              Hoje é um dia frio. Aqui nesse país, aliás, quase todos os dias são frios. Às vezes, sentado perto da lareira, fico meditando sozinho escutando um velho compacto de Caetano Veloso enquanto recordo nossas brincadeiras nas idas tardes de curso universitário, quando não passávamos de quatro jovens sonhadores e cheios de esperança e um pouco de receio. Penso em nossas mãos dadas, em nossos risos largos, em nossas atividades em comum. Enquanto bebo o vinho tinto que você me enviou de presente, sinto que há dentro de mim aquela mesma chama que me tornava jovem demais, inconsequente demais.
                Mas não há mais tempo para ser tão jovem assim. Toda aquela juventude passou como um raio, um relâmpago, tão furtivo que nem me deixou perceber as marcas do teu rosto, os fios mais claros nos teus cabelos, as cores das tuas unhas. Tudo voou como se uma ventania voraz aparecesse repentinamente e levasse as pétalas daquela flor tão carinhosamente cultivada dia após dia. Restaram apenas fotografias, às quais agora me apego e torno quase deuses no altar da saudade.
              Perdoe-me se nem sempre eu pude ouvir seus lamentos. Há momentos em que me arrependo tanto por não ter podido oferecer meu ombro tanto quanto você me ofereceu o seu quando precisei! Há instantes em que choro baixinho lembrando todos os momentos que desperdicei com futilidades, numa busca louca e desenfreada por sucesso e satisfação, enquanto havia perto de mim um coração exemplar que transformava cada pulsação num sonho.
                 Hoje, somos um homem e três mulheres. Hoje, não nos vemos mais, não nos telefonamos mais. Hoje, cuidamos dos nossos filhos, dos nossos cônjuges, viajamos e fazemos projetos. Hoje, eu também continuo queimando meus pensamentos para escrever, e foi assim que entendi que, sob aqueles bambus que me causavam alguma alergia mas que mesmo assim eu adorava, ríamos tanto ao ponto de chorarmos porque não sabíamos ou não queríamos saber que um dia estaríamos tão distantes, tão desconexos.
                  O que importa, minha amiga, é que você não está sozinha. Eu não esqueci de você. Prova disso é que, mesmo com toda distância, você continuou adormecida aqui dentro, bem no fundo desse baú cheio de cacarecos que é o meu coração. É claro que a sua ausência deixou tudo mais frio, afinal, quando fomos dizendo adeus aos poucos você acabou deixando as janelas abertas e a neve e a chuva invadiram tudo. Mesmo assim, enxuguei as gotas que insistiram em molhar o assoalho e preservei com um cheirinho de lavanda as cortinas do seu cantinho.
                    Passo a passo, vou seguindo em direção a você. A cada 26 de maio, providencio um bolo minúsculo, acendo uma velinha, canto parabéns baixinho e brindo em sua homenagem enquanto recordo as surpresas que fizemos uns aos outros. Sozinho nesse apartamento tão grande para mim, rememoro os jogos de cartas, as ligações falsas vendendo cartões de crédito fictício, as correrias em tempo de provas, os hambúrgueres com suco de laranja naquele shopping que tanto frequentávamos.
                  Mais uma vez a saudade bateu e por isso agora escrevo essa carta, mas não vou chorar. Hoje quero rir. Você está aí, tão bem, tão viva, tão exuberante! Para quê me desfiar em lágrimas se o mais importante é que você permanece como antes? Hoje é mais um dia de velinha, de cantar baixinho e brindar em sua homenagem. Você tornou o mundo dos seus três amigos uma verdadeira enciclopédia, acrescentando significados e experiências. Nunca mais seremos os mesmos. Nunca mais.
                    Espero tornarmos a nos vermos em breve. A saudade que os dias corridos e a rotina louca trazem é imensa, mas é tão fácil tomar um avião e vir até aqui, não é mesmo? O amor que existe entre nós quatro não acaba assim, como se fosse escrito na areia da praia e a onda bravia apaga, agressiva. Nossa empatia é mais aguerrida porque somos irmãos. Um cuidaria do outro, lembra?
                 Onde viemos parar? Onde está você agora? Ao receber esta carta, responda com brevidade. Preciso ter notícias suas. Nada poderá me fazer sentir melhor. Se não for pedir muito, envie também fotografias de sua família. Quero conhecer seus meninos e a casa linda que você construiu com aquele closet cheio de sapatos que você tanto desejava ter. E lembre-se: você sempre será nossa menina, aquela insubstituível guerreira que veio ao mundo para vencer, apenas.
                  De quem lhe tem estima e apreço imensuráveis.

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