Foto: Cairo Brunno (17/12/2012) |
Querida
amiga,
Um
oceano inteiro nos separa nesse momento. Você seguiu sua carreira. Agora é respeitada e
admirada. Agora é exibida em canais de TV e seu rosto aparece em fotografias em
páginas de jornal e colunas sociais. Sinto orgulho disso. Sinceramente,
querida, sinto muito orgulho de ter sido mais um tijolinho para construir a
escadaria que você teve de subir para chegar onde está. O problema é que toda
essa euforia que trago no peito se confunde com uma saudade imensa, tudo isso
se transformando num elemento louco e irreconhecível que me cega e me deixa
como louco à espreita, esperando o menor sinal do nosso reencontro.
Hoje
é um dia frio. Aqui nesse país, aliás, quase todos os dias são frios. Às vezes,
sentado perto da lareira, fico meditando sozinho escutando um velho compacto de
Caetano Veloso enquanto recordo nossas brincadeiras nas idas tardes de curso
universitário, quando não passávamos de quatro jovens sonhadores e cheios de
esperança e um pouco de receio. Penso em nossas mãos dadas, em nossos risos
largos, em nossas atividades em comum. Enquanto bebo o vinho tinto que você me
enviou de presente, sinto que há dentro de mim aquela mesma chama que me
tornava jovem demais, inconsequente demais.
Mas
não há mais tempo para ser tão jovem assim. Toda aquela juventude passou como
um raio, um relâmpago, tão furtivo que nem me deixou perceber as marcas do teu
rosto, os fios mais claros nos teus cabelos, as cores das tuas unhas. Tudo voou
como se uma ventania voraz aparecesse repentinamente e levasse as pétalas
daquela flor tão carinhosamente cultivada dia após dia. Restaram apenas
fotografias, às quais agora me apego e torno quase deuses no altar da saudade.
Perdoe-me
se nem sempre eu pude ouvir seus lamentos. Há momentos em que me arrependo
tanto por não ter podido oferecer meu ombro tanto quanto você me ofereceu o seu
quando precisei! Há instantes em que choro baixinho lembrando todos os momentos
que desperdicei com futilidades, numa busca louca e desenfreada por sucesso e
satisfação, enquanto havia perto de mim um coração exemplar que transformava
cada pulsação num sonho.
Hoje,
somos um homem e três mulheres. Hoje, não nos vemos mais, não nos telefonamos
mais. Hoje, cuidamos dos nossos filhos, dos nossos cônjuges, viajamos e fazemos
projetos. Hoje, eu também continuo queimando meus pensamentos para escrever, e
foi assim que entendi que, sob aqueles bambus que me causavam alguma alergia
mas que mesmo assim eu adorava, ríamos tanto ao ponto de chorarmos porque não
sabíamos ou não queríamos saber que um dia estaríamos tão distantes, tão
desconexos.
O
que importa, minha amiga, é que você não está sozinha. Eu não esqueci de você.
Prova disso é que, mesmo com toda distância, você continuou adormecida aqui
dentro, bem no fundo desse baú cheio de cacarecos que é o meu coração. É claro
que a sua ausência deixou tudo mais frio, afinal, quando fomos dizendo adeus
aos poucos você acabou deixando as janelas abertas e a neve e a chuva invadiram
tudo. Mesmo assim, enxuguei as gotas que insistiram em molhar o assoalho e
preservei com um cheirinho de lavanda as cortinas do seu cantinho.
Passo
a passo, vou seguindo em direção a você. A cada 26 de maio, providencio um bolo
minúsculo, acendo uma velinha, canto parabéns baixinho e brindo em sua
homenagem enquanto recordo as surpresas que fizemos uns aos outros. Sozinho
nesse apartamento tão grande para mim, rememoro os jogos de cartas, as ligações
falsas vendendo cartões de crédito fictício, as correrias em tempo de provas,
os hambúrgueres com suco de laranja naquele shopping
que tanto frequentávamos.
Mais
uma vez a saudade bateu e por isso agora escrevo essa carta, mas não vou
chorar. Hoje quero rir. Você está aí, tão bem, tão viva, tão exuberante! Para
quê me desfiar em lágrimas se o mais importante é que você permanece como
antes? Hoje é mais um dia de velinha, de cantar baixinho e brindar em sua
homenagem. Você tornou o mundo dos seus três amigos uma verdadeira
enciclopédia, acrescentando significados e experiências. Nunca mais seremos os
mesmos. Nunca mais.
Espero
tornarmos a nos vermos em breve. A saudade que os dias corridos e a rotina
louca trazem é imensa, mas é tão fácil tomar um avião e vir até aqui, não é
mesmo? O amor que existe entre nós quatro não acaba assim, como se fosse
escrito na areia da praia e a onda bravia apaga, agressiva. Nossa empatia é
mais aguerrida porque somos irmãos.
Um cuidaria do outro, lembra?
Onde
viemos parar? Onde está você agora? Ao receber esta carta, responda com
brevidade. Preciso ter notícias suas. Nada poderá me fazer sentir melhor. Se
não for pedir muito, envie também fotografias de sua família. Quero conhecer
seus meninos e a casa linda que você construiu com aquele closet cheio de sapatos que você tanto desejava ter. E lembre-se:
você sempre será nossa menina, aquela insubstituível guerreira que veio ao
mundo para vencer, apenas.
De
quem lhe tem estima e apreço imensuráveis.