Foto: Cairo Brunno (08/04/2013)
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Ele
nunca havia entendido que abrir o guarda-roupa era muito mais que uma atividade do
cotidiano. Abrir o armário era antes de tudo ser democrático, no sentido mais
comum e pejorativo da palavra. Cada vez que descerrava as portas para selecionar
uma vestimenta para o dia, estava dando a si mesmo a chance de escolher.
Escolher.
Era essa a palavra que cotidianamente o movia, embora ele nem mesmo soubesse.
Quando puxava uma camisa amarela ao invés da lilás estava inconscientemente
dizendo que era capaz de se dar uma nova aparência, distinta daquela advinda de
outra cor de camisa. Assim, selecionar era a palavra que o conduzia por cada
passo.
Seguia
dessa maneira todos os dias, sem pestanejar. Nunca pensou, porém, que todas as
vezes que assim agia deixava um futuro para trás. Ao sair de casa com a camisa
amarela em detrimento da lilás estava abrindo mão de novos comentários, de
novas chacotas, de novos elogios, de tudo aquilo que seria gerado pelo simples
ato de trajar uma camisa que não fosse a amarela.
Dia
após dia as camisas eram usadas. Não ficavam acondicionadas em ordem de cores
ou sob nenhuma outra técnica de ordenamento. Simplesmente estavam ali, à mão,
para que ficasse a seu critério selecionar. Também era assim com os óculos que
usava, com as meias, com os suspensórios, com as calças e as cuecas.
Foi
numa manhã de setembro que teve um estalo. Finamente seus olhos se abriram e
ele entendeu que, assim como as roupas, a vida também era repleta de escolhas.
Eram elas que o construíam a cada amanhecer. A cada novo sol que nascia os
olhos se arregalavam para simplesmente escolher.
Daquele
dia em diante entendeu que a vida nada mais era que uma eterna bifurcação, onde
as estradas se desmanchavam sempre em duas, paridas que eram pela necessidade de
oferecer caminhos distintos. Também dois dele olhavam para as duas trilhas, e
ambos curtiam um luto momentâneo, pois sabiam que dali apenas um sairia vivo. Apenas
um seguiria adiante. O que ficasse teria cumprido sua missão.
O
caminho que ele deixava para trás, contudo, não era apenas uma estrada
desperdiçada: era também uma história não contada. O homem que se desmanchava
como fumaça após a escolha da estrada mais conveniente era ele mesmo em algum
momento de sua história; era ele mesmo que poderia ter sido mas, fruto de uma
escolha, não foi.
Finalmente,
entendeu que seus pés jamais deveriam ter pressa para andar por caminhos com
belas paisagens. Seus olhos podiam ver a beleza nítida de cada terreno, mas
sabiam que também existiam armadilhas ocultas. Para não ter que desejar voltar
no tempo e mudar o passado, começou a observar todos os dias o presente e
projetá-lo no futuro.
Descobriu
que caminhos têm preços e entendeu que deveria contar as moedas que existiam
nos bolsos para pagá-los. Haveria sempre uma dívida, fosse no caminho mais
curto e belo, fosse no mais longo e árido. Não haveria escolha que não trouxesse
dores e alegrias, mas somente ele poderia decidir a ordem em que elas se
concretizariam. Tudo dependeria do caminho trilhado.