Como bem se sabe, contar cajus é uma maneira poética de se
dizer que alguém está ficando velho. É algo como contar verões, janeiros,
enfim, todas essas formas que as pessoas encontram de amenizar o que já bate à
porta. Contar cajus é uma forma interessante de suavizar a presença do inevitável fantasma
do fim da vida.
Na verdade, quando dizem que a gente vem ao mundo sem nada
estão mentindo para nós. Não querem que convivamos com a justa medida dos dias,
essa coisa que chamam de expectativa de vida e da qual não podemos escapar,
embora possamos prolongá-la. Todos nós já nascemos com um relógio que corre ao
contrário. Já nascemos com a marca do tempo e disso não adianta fugir.
É até jocoso pensar que fazemos tantos projetos todos os
dias. Agendamos reuniões, estudamos, fazemos relatórios, sempre com a ilusão de
que estamos crescendo, evoluindo, fazendo mais, ganhando mais. Temos a
impressão de que elastecemos nossa linha do tempo. Tudo isso nos dá uma visão
equivocada de que somos quase deuses deste mundo, sempre podendo mais e fazendo melhor.
A bem da verdade, é preciso esclarecer: nós somos reles
mortais. Por favor, coloque os seus pés no chão e encare a realidade. O passar
dos dias já carrega aquilo a que muitos denominam uma tragédia anunciada. Você sabe qual é. Não preciso detalhá-la.
Todos nós passaremos por ela um dia. Não se desespere, não grite, não puxe os
cabelos: sim, você é finito.
Veja bem, meu bem: quem disse que isso é ruim? Largue esses
óculos escuros que te fazem enxergar a finitude como algo tão fúnebre – isso
não foi uma piada, e eu até admito que ela realmente tenha alguns tons disso – e passe a correr para aquela porta do fim da
linha com mais tranqüilidade e sensatez.
Nós não podemos fugir dela. Mesmo que não queiramos, a
esteira do cotidiano nos conduz para o outro lado de um muro que jamais
conheceremos, pelo menos não agora. O que você, eu, todos nós podemos fazer é viver
como se realmente não houvesse amanhã. Agendemos menos e entendamos mais. Corramos
menos e amemos mais. A vida nada mais é que esse jogo de pesos e contrapesos,
um equilíbrio eterno entre devoções e obrigações.
O que eu quero mesmo dizer é que seria um tédio se não tivéssemos
os dias contados. Não fosse assim, para quê cultivaríamos amores se jamais teríamos
um “até que a morte nos separe”? Jamais seríamos capazes de entender a dor de
uma partida. Nunca saberíamos ao certo o que dizer diante da fatalidade. Aliás,
seríamos realmente menos humanos e mais deuses. Talvez por isso a serpente, invejosa, tenha
nos tentado e concretizado seu intento na mordida que nos tornou findáveis.
Se contar cajus é uma forma delicada de dizer que todos
terão um fim e que provavelmente muitos dos que lêem esse texto justamente
hoje, quando está sendo publicado pela primeira vez, não chegarão ao próximo
século, também é uma maneira de abrir nossos olhos para uma das belezas da
vida. E essa beleza é a poesia que se encontra no âmago do eterno risco,
sabendo-se que a dor da perda poderá ser a prova de que realmente se amou o que
se foi.
Um texto simplesmente maravilhoso... depois de o ler, vejo o fim com um outros olhares.
ResponderExcluirParabéns!