segunda-feira, 21 de abril de 2014

COMPRE UM AMOR NA LOJINHA NA RUA DE PEDRA

Foto: Cairo Brunno (21/02/2014)
Numa rua de pedra muito estreita, na parte velha da cidade, montei eu uma lojinha. Optei pela rua de pedra porque lá é mais tranquilo e pouco movimentado. É um bairro residencial em que moram idosos e casais de meia idade. Crianças e jovens quase não há ali. Há muita sombra, sobrados e sempre um cheirinho de café que religiosamente sai das janelas nos fins de tarde, às cinco e quinze em ponto.
Se quiser algum dia localizar minha lojinha, procure a única rua de pedra da parte velha da cidade – não vou dizer o nome da rua porque você mesmo deve procurá-la com muita paciência. Aviso logo, porém: ela é comprida, portanto disponha de tempo para percorrê-la. Há nela muitos sobrados charmosos, mas o meu é o único sobrado charmoso com um compartimento inferior acessível por portas de vidro.
É nesse compartimento que funciona minha lojinha. Ao entrar nela, entre descalço. Deixe os calçados num tapete marrom e felpudo que há na calçada. O bling bling da campainha pendurada no umbral soará pelo compartimento e eu aparecerei para recebê-lo com os braços muito abertos e um sorriso cândido. Oferecerei um copo de refresco ou de água, uma xícara de café ou chá, uma lasca de bolo ou biscoitos.
Depois de conversarmos, mostrarei a você minha lojinha. Tudo sem compromisso. Exibirei as prateleiras com algumas antiguidades e conduzirei você até o balcão. Provavelmente, assim como todos os clientes – apenas gente sensível atravessa a porta da minha loja – você se encantará com o lustre de vidro salmão pendurado bem no meio do salão.
Então, eu pedirei que você se acomode nas banquetas diante do balcão. Servirei alguns morangos para você se deliciar ou bombons de chocolate branco para que você adoce seu paladar, ou talvez os dois se você demonstrar alguma generosidade e brilho no olhar. Enquanto você se regala, buscarei nos armários as caixinhas de mostruário com os produtos que vendo para que você escolha o que mais lhe apetece.
Ah! Esqueci de dizer. Eu vendo amores. São de todos os tipos, formatos, tamanhos e prazos de validade. Alguns duram apenas uma noite; esses são os mais baratos, menores e que vendem como água. Vêm numa embalagem econômica e você pode inclusive carrega-los na bolsa para a praia, um parque ou uma festa. Há também os que duram alguns meses, algumas semanas ou mesmo alguns dias. Esses ficam ao gosto do cliente e dependendo da espécie podem até ter o prazo de validade estendido...
Mas os que muito raramente saem são aqueles que duram uma vida inteira. Esses são mais caros, muito mais! Não é qualquer cliente que entra pelas portas de vidro e diz: Por favor, gostaria de um amor que dure enquanto eu andar sobre a terra! Esses são tão raros que nem vêm em embalagens comuns, como os outros. Não são tão bonitos nem tão perfeitos. Ainda assim, são mais caros e merecem um cuidado maior.
Como bom vendedor de amores, começo sempre exibindo os mais baratos e que duram menos. Minha experiência diz que se seu olho brilhar quando eu falar no preço, embora você possa dizer que quer o mais caro, no fundo você ambiciona o mais em conta, o menos elaborado. Vendo dúzias desses por dia.
Por outro lado, se você for muito insistente, sigo a exibição colocando sobre o balcão aqueles de duração média. Sugiro que, em caso de recusa pelos amores iniciais, você utilize os de validade maior. Esses têm lá seus efeitos colaterais dependendo do organismo – dores terríveis no peito em caso de doses exageradas – mas ao menos servem para que você avalie suas condições em termos de amor.
Assim, existem duas opções: comprar um amor de validade média e esperar que ele chegue ao fim para testar sua aptidão para amar, ou partir diretamente para a medida mais drástica de todas, que é adquirir um amor para a vida inteira. Mas não pense que vendo um amor assim de qualquer maneira! Há critérios, os quais só exponho se vier até minha lojinha na rua de pedra na parte velha da cidade.
Quando abro as caixinhas com amores para uma vida toda e falo de seus efeitos, há cliente que imediatamente saem pela porta sem nem se despedir. Outros me escutam até o fim pacientemente e dizem que voltarão com calma em outro momento. Outros nem esperam que eu diga todas as possibilidades e reservam logo o seu.
Mas os que realmente merecem um amor assim são os que ouvem pacientemente enquanto comem chocolate e morangos e calmamente pedem um copo d’água; acomodam-se nas banquetas como se não houvesse mais futuro – quem procura um amor para toda a vida sequer usa relógios – e predispõem-se a ler o rótulo, apalpar o produto e cheirar. Adquirir um amor para a vida inteira não é como comprar uma roupa; é como procurar um bom diamante.
Se você quiser um amor que dure para sempre, prepare-se para levar café na cama todas as manhãs, escrever cartas, ter medo e principalmente alimentar um imenso jardim de ciúmes. Aliás, se você sentir sintomas de ciúmes depois de comprar o amor mais caro e mais raro é que ele realmente está surtindo efeito. Por isso, esclareço logo que só se sente medo de perder aquilo que se tem por mais importante.
Apareça em dias frios ou quentes para degustar meus doces e meus chocolates e encher os olhos com minhas embalagens muito organizadas. Você sabe onde encontrar minha lojinha. A rua de pedra nem fica tão longe assim.

2 comentários:

  1. Amei Cairo!!! Tão doce, tão leve, tão sensível! Virei sua fã! Parabéns!!!

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    1. Professora Silvia, muito, muito obrigado mesmo por ter visitado o Jardim. A senhora será sempre bem-vinda! Estou imensamente feliz! Abraço enorme!

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