Foto: Cairo Brunno (21/02/2014) |
Numa rua de pedra muito estreita, na parte velha da cidade,
montei eu uma lojinha. Optei pela rua de pedra porque lá é mais tranquilo e
pouco movimentado. É um bairro residencial em que moram idosos e casais de meia
idade. Crianças e jovens quase não há ali. Há muita sombra, sobrados e sempre um
cheirinho de café que religiosamente sai das janelas nos fins de tarde, às
cinco e quinze em ponto.
Se quiser algum dia localizar minha lojinha, procure a única
rua de pedra da parte velha da cidade – não vou dizer o nome da rua porque você
mesmo deve procurá-la com muita paciência. Aviso logo, porém: ela é comprida,
portanto disponha de tempo para percorrê-la. Há nela muitos sobrados charmosos,
mas o meu é o único sobrado charmoso com um compartimento inferior acessível
por portas de vidro.
É nesse compartimento que funciona minha lojinha. Ao entrar
nela, entre descalço. Deixe os calçados num tapete marrom e felpudo que há na
calçada. O bling bling da campainha pendurada
no umbral soará pelo compartimento e eu aparecerei para recebê-lo com os braços
muito abertos e um sorriso cândido. Oferecerei um copo de refresco ou de água,
uma xícara de café ou chá, uma lasca de bolo ou biscoitos.
Depois de conversarmos, mostrarei a você minha lojinha. Tudo
sem compromisso. Exibirei as prateleiras com algumas antiguidades e conduzirei
você até o balcão. Provavelmente, assim como todos os clientes – apenas gente
sensível atravessa a porta da minha loja – você se encantará com o lustre de
vidro salmão pendurado bem no meio do salão.
Então, eu pedirei que você se acomode nas banquetas diante
do balcão. Servirei alguns morangos para você se deliciar ou bombons de
chocolate branco para que você adoce seu paladar, ou talvez os dois se você
demonstrar alguma generosidade e brilho no olhar. Enquanto você se regala,
buscarei nos armários as caixinhas de mostruário com os produtos que vendo para
que você escolha o que mais lhe apetece.
Ah! Esqueci de dizer. Eu vendo amores. São de todos os
tipos, formatos, tamanhos e prazos de validade. Alguns duram apenas uma noite;
esses são os mais baratos, menores e que vendem como água. Vêm numa embalagem
econômica e você pode inclusive carrega-los na bolsa para a praia, um parque ou
uma festa. Há também os que duram alguns meses, algumas semanas ou mesmo alguns
dias. Esses ficam ao gosto do cliente e dependendo da espécie podem até ter o
prazo de validade estendido...
Mas os que muito raramente saem são aqueles que duram uma
vida inteira. Esses são mais caros, muito mais! Não é qualquer cliente que
entra pelas portas de vidro e diz: Por favor, gostaria de um amor que dure
enquanto eu andar sobre a terra! Esses são tão raros que nem vêm em embalagens
comuns, como os outros. Não são tão bonitos nem tão perfeitos. Ainda assim, são
mais caros e merecem um cuidado maior.
Como bom vendedor de amores, começo sempre exibindo os mais
baratos e que duram menos. Minha experiência diz que se seu olho brilhar quando
eu falar no preço, embora você possa dizer que quer o mais caro, no fundo você
ambiciona o mais em conta, o menos elaborado. Vendo dúzias desses por dia.
Por outro lado, se você for muito insistente, sigo a
exibição colocando sobre o balcão aqueles de duração média. Sugiro que, em caso
de recusa pelos amores iniciais, você utilize os de validade maior. Esses têm
lá seus efeitos colaterais dependendo do organismo – dores terríveis no peito
em caso de doses exageradas – mas ao menos servem para que você avalie suas
condições em termos de amor.
Assim, existem duas opções: comprar um amor de validade
média e esperar que ele chegue ao fim para testar sua aptidão para amar, ou
partir diretamente para a medida mais drástica de todas, que é adquirir um amor
para a vida inteira. Mas não pense que vendo um amor assim de qualquer maneira!
Há critérios, os quais só exponho se vier até minha lojinha na rua de pedra na
parte velha da cidade.
Quando abro as caixinhas com amores para uma vida toda e
falo de seus efeitos, há cliente que imediatamente saem pela porta sem nem se
despedir. Outros me escutam até o fim pacientemente e dizem que voltarão com
calma em outro momento. Outros nem esperam que eu diga todas as possibilidades
e reservam logo o seu.
Mas os que realmente merecem um amor assim são os que ouvem
pacientemente enquanto comem chocolate e morangos e calmamente pedem um copo
d’água; acomodam-se nas banquetas como se não houvesse mais futuro – quem
procura um amor para toda a vida sequer usa relógios – e predispõem-se a ler o
rótulo, apalpar o produto e cheirar. Adquirir um amor para a vida inteira não é
como comprar uma roupa; é como procurar um bom diamante.
Se você quiser um amor que dure para sempre, prepare-se para
levar café na cama todas as manhãs, escrever cartas, ter medo e principalmente
alimentar um imenso jardim de ciúmes. Aliás, se você sentir sintomas de ciúmes
depois de comprar o amor mais caro e mais raro é que ele realmente está
surtindo efeito. Por isso, esclareço logo que só se sente medo de perder aquilo
que se tem por mais importante.
Apareça em dias frios ou quentes para degustar meus doces e
meus chocolates e encher os olhos com minhas embalagens muito organizadas. Você
sabe onde encontrar minha lojinha. A rua de pedra nem fica tão longe assim.
Amei Cairo!!! Tão doce, tão leve, tão sensível! Virei sua fã! Parabéns!!!
ResponderExcluirProfessora Silvia, muito, muito obrigado mesmo por ter visitado o Jardim. A senhora será sempre bem-vinda! Estou imensamente feliz! Abraço enorme!
Excluir